Carolina Beatriz Ângelo foi a primeira mulher a votar em Portugal, passam hoje exactamente cem anos. Mas o seu pioneirismo não se revelou só nas urnas, ela foi também a primeira cirurgiã do país.
Carolina Beatriz Ângelo fez da luta pelo direito de voto a sua grande causa, interpretando à letra a lei eleitoral de então, que considerava eleitores os indivíduos maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever e chefes de família.
Considerando-se na posse de todos os requisitos, porque tinha ficado viúva (sendo, portanto, chefe de família), Carolina Beatriz Ângelo requereu a sua inscrição como eleitora, o que não lhe foi concedido. Recorreu para os tribunais, que lhe deram razão, sendo-lhe atribuído o direito de voto pelo juiz João Baptista de Castro, pai da escritora Ana de Castro Osório, amiga de Carolina Beatriz Ângelo e com ela dirigente da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas.
Na altura presidente da Associação de Propaganda Feminista (APF), Carolina Beatriz Ângelo avançou para a urna nas eleições para a Assembleia Constituinte de 28 de Maio de 1911, na secção de voto de Arroios, em Lisboa.
O ato pioneiro desagradou ao poder de então, que viria a alterar a lei eleitoral. A legislação de 1913 só reconhecia o direito de voto aos eleitores do «sexo masculino». As mulheres só viriam a reconquistar o direito de voto em 1931, mas só as poucas que tinham o liceu ou um curso superior. Mais tarde, outra condição seria imposta: só podiam votar as mulheres que tivessem um determinado rendimento.
Carolina Beatriz Ângelo nasceu na Guarda, em 1877, e licenciou-se na Escola Médica de Lisboa, em 1902, tendo sido a primeira médica portuguesa a exercer e praticar cirurgia. Morreu em Lisboa, aos 33 anos, no mesmo ano em que depositou o voto na urna.
Por ocasião do centenário da República, a agência Lusa entrevistou, em Outubro de 2010, Maria João Fagundes, a bisneta de Carolina Beatriz Ângelo.
A «avó Carolina» – é assim que a ela se referem os próximos – continua a ser uma referência numa família assumidamente republicana.
Uma das histórias que ainda se contam, em tom de brincadeira, diz respeito à bandeira nacional. Relata Maria João Fagundes que um grupo de mulheres republicanas juntou-se em casa de Carolina para, em segredo, costurarem a bandeira. A sua filha, «pequenina», estranhou e perguntou «mamã, o que estão a fazer?». Carolina, atrapalhada, «respondeu a primeira coisa que lhe veio à cabeça» – «estamos a fazer uns bibes para uns meninos do asilo». Resposta pronta da filha de oito anos: «Coitadinhos dos meninos do asilo… esses bibes são tão feios!».
Para comemorar o centenário do voto feminino, a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) promove hoje um colóquio, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade Nova de Lisboa, com a secretária de Estado da Igualdade, Elza Pais, na abertura, às 10h.
Entretanto, o Movimento Democrático de Mulheres (MDM) emitiu um comunicado «relevando a luta e a persistência» de quem se bateu pelo direito de voto das mulheres, só totalmente consignado com o 25 de Abril de 1974.
Simultaneamente, o MDM alerta que hoje a cidadania «não se exerce em plena igualdade» e, «em vésperas de um ato eleitoral de grande significado para o país», apela «às mulheres que exerçam o voto de indignação, de protesto e de afirmação da sua vontade, para travar as desigualdades sociais e de género».
Lusa/SOL
Fonte: http://sol.sapo.pt/inicio/Politica/Interior.aspx?content_id=20357
Dia: 28/05/2011