Desde 2008 que as vítimas de violência doméstica em S. João da Madeira não tinham um centro de atendimento. A Cruz Vermelha presta esse serviço há uma semana e já acompanha 12 processos
Funciona há uma semana o Centro de Atendimento à Vítima de Violência Doméstica, na Cruz Vermelha de S. João da Madeira. O centro presta apoio social, psicológico e jurídico a mulheres ou homens encaminhados pelas autoridades competentes, nomeadamente a PSP, trabalhando em articulação com esta e com as delegações locais da Ordem dos Advogados, da Segurança Social e da Comissão de Protecção de Jovens e Crianças em Risco.
O serviço é assegurado pelo psicólogo José Carlos Cardoso, que, entre 2005 e 2008, exerceu as mesmas funções na esquadra local da PSP, no âmbito do projecto “Muda de Vida”. Com o fim do programa, as vítimas de violência doméstica residentes em S. João da Madeira passaram a deslocar-se ao concelho vizinho de Santa Maria da Feira, mais concretamente ao “Espaço Trevo”, gerido e suportado pela Câmara Municipal da Feira. No final de 2010, 40% das vítimas externas ao concelho da Feira que recorriam ao “Trevo” eram de S. João da Madeira.
Foi precisamente a ausência de uma resposta em S. João da Madeira, que levou a Cruz Vermelha a equacionar a criação do centro. “Sabemos que o concelho é muito afetado por este problema e os casos estavam a ser encaminhados para os concelhos à volta, o que dificulta, porque estas pessoas normalmente têm dificuldades económicas e têm de se deslocar. Depois, acabavam por não ter a assistência devida”, explica ao labor o vice-presidente da instituição, Ricardo Estanislau.
De acordo com a Direcção-Geral da Administração Interna, a comarca de S. João da Madeira apresentava, em 2009, uma das maiores taxas de incidência de violência doméstica no país, com mais de cinco queixas registadas por cada 1.000 habitantes. Estatísticas à parte, a percepção do psicólogo José Carlos Cardoso é de que o concelho tem muitos casos. “Quando me fui embora, em 2008, tinha muitos processos em mãos e muitos ficaram pendentes e sem apoio. Cheguei a ser contactado pela Segurança Social para prestar depoimento em tribunal nos casos mais delicados”, afirma. E a prova da dimensão do problema em S. João da Madeira, no entender do psicólogo e da direcção da Cruz Vermelha, é que, em apenas uma semana, o centro de atendimento já acompanha 12 vítimas.
José Carlos Cardoso afirma que o objectivo no acompanhamento à vítima de violência doméstica não é promover a separação do casal, mas dotá-la de ferramentas para que possa decidir por ela própria. “São, geralmente, pessoas fragilizadas, inseguras e desconfiadas que precisam de encontrar potencial e autonomização”, esclarece. Além do apoio psicólogo e social, o centro presta também, quando necessário, apoio jurídico gratuito, através de uma parceria com a delegação local da Ordem dos Advogados.
O centro está integrado numa rede gerida pela Comissão de Igualdade de Género, mas funciona em regime autónomo. “A Cruz Vermelha não pediu apoios financeiros a ninguém”, garante Ricardo Estanislau. “Não quisemos condicionar a existência do centro à vigência de um programa, por isso não nos candidatámos a nenhum programa financeiro”, acrescenta. Apenas a contratação do técnico foi feita ao abrigo de um programa de apoio.
Desde o início do ano que a instituição está a trabalhar na implementação desta gabinete, mas a formalização “foi bastante demorada e burocrática”, pelo que só há uma semana é que começou a funcionar em pleno.
A falta de um espaço de atendimento na cidade chegou a ser motivo de apelos tanto do PS como do Bloco de Esquerda nos dois órgãos municipais. Os socialistas pediam a criação de um gabinete e os bloquistas a elaboração de um plano municipal de igualdade de género.
Maioria das vítimas estão dependentes do agressor
José Carlos Cardoso conhece bem a problemática da violência doméstica em S. João da Madeira. Trabalhou com ela durante três anos, na esquadra da PSP, no âmbito do programa concelhio “Muda de Vida”. “É uma área muito sensível, complexa e de difícil intervenção”, afirma. A vítima é, normalmente, dependente financeira do agressor e tem filhos, o que dificulta a tomada de uma decisão. “Se não existir um suporte familiar e social adequado, é difícil para a vítima adquirir a autonomização que se pretende. Por isso, tudo tem de ser trabalhado”, explica o psicólogo.
“O objetivo é ajudar estas vítimas a encontrarem capacidades e potencialidades. Fomentar um espaço que promova a autonomização e o empowerment destas pessoas”, continua José Carlos Cardoso. O psicólogo desmistifica a ideia de que estes centros promovem a separação do casal. Embora a maioria dos casos acabe mesmo em separação, o objetivo dos técnicos é capacitar a vítima a decidir por si própria. Essa decisão “torna-se mais difícil quando há crianças, porque quem sai de casa é a vítima”, alerta o psicólogo.
De acordo com José Carlos Cardoso, a vítima de violência doméstica tem entre 30 e 60 anos, é casada e tem filhos. Enquadra-se num estatuto social médio/médio-baixo e não está inserida no mercado de trabalho, o que faz dela dependente do agressor. “São, essencialmente, pessoas fragilizadas, inseguras, desconfiadas que idealizaram uma relação que acabou por ser defraudada”, comenta o psicólogo.
A violência no namoro é residual em S. João da Madeira mas estará, juntamente com a violência infantil, no centro do programa para assinalar o Dia Internacional da Vítima de Violência Doméstica, que se assinala no dia 25 de novembro. A Cruz Vermelha está a preparar um conjunto de conferências e workshops com o objetivo de informar e sensibilizar o público escolar e a comunidade em geral para esta problemática.
Por: Anabela S. Carvalho
Labor.pt, Semanário de 29/09/2011
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