O Conselho Geral da CNIS convocou uma reunião extraordinária para debater e elaborar um parecer sobre a revisão do Decreto-Lei nº 119/83 que está em curso sob a alçada do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social. O encontro, que teve lugar em Fátima, no dia 16 de Setembro, analisou com detalhe uma versão preliminar do renovado Estatuto das IPSS.
Entre outros, foram abordadas questões como: A destituição judicial dos titulares dos órgãos sociais; A gratuitidade do mandato e a possibilidade e condições de remuneração de titulares dos órgãos sociais, por esse exercício; A inelegibilidade para os órgãos sociais e impedimentos; O regime de invalidade das deliberações dos órgãos sociais, a aplicabilidade do Código dos Contratos Públicos aos contratos de empreitada relativos a obras de construção e grande reparação, bem como à alienação e arrendamento de imóveis pertencentes às IPSS; O estatuto dos associados que sejam trabalhadores da Instituição quanto à elegibilidade e às condições para o exercício de cargos nos órgãos sociais; A duração e limites de mandatos nos órgãos sociais.
O presidente da CNIS, padre Lino Maia, alertou os presentes que as propostas ali consensualizadas poderiam não ser atendidas, pois a alteração do Decreto-lei é da responsabilidade do Governo: “Somos parceiros, somos ouvidos, mas nem sempre atendidos”.
O jornal Solidariedade, com a ajuda do assessor jurídico Henrique Rodrigues, explica o que está em causa nesta importante revisão do Estatuto das IPSS.
REMUNERAÇÃO DOS ORGÃOS DIRIGENTES
A posição de princípio da CNIS é a de que o exercício do mandato como dirigente deve ser gratuito. Trata-se de uma manifestação do voluntariado, constituindo este princípio estruturante do Setor Solidário.
A possibilidade de remuneração deve ser vincadamente excecional, prevista nos estatutos, definida por um órgão exterior ao que é beneficiado – não pode ser a Direção a fixar a remuneração do seu presidente, por exemplo, devendo ser a Assembleia Geral ou o Conselho Fiscal, em nome da transparência e da isenção -, devendo existir um montante máximo para essa retribuição e findando em caso de défices continuados de exploração.
A CNIS aceita, nos casos excecionais e com os limites acima referidos, que tal remuneração possa atingir, no máximo, 5 vezes o IAS.
Convém não esquecer que o nível máximo previsto no CCT para diretor de serviços ou secretário-geral não atinge os 1.200,00 euros, pelo que remunerações superiores ao referido montante máximo, que se praticam em alguns casos, seriam chocantes.
Quanto à possibilidade de os trabalhadores que sejam associados serem eleitos para os órgãos sociais, a posição da CNIS é favorável, já que a capacidade eleitoral passiva integra o núcleo essencial do estatuto de associado.
Não podem é votar em assuntos que lhes respeitem – como salários -, nem poderão estar em maioria num determinado órgão.
DURAÇÃO E NÚMERO DE MANDATOS
A limitação do número de mandatos constitui uma questão controversa, desde sempre.
Convém esclarecer que esta questão diz exclusivamente respeito às associações, cujos órgãos sociais são eleitos em Assembleia Geral – o que deixa de fora a maior parte dos associados da CNIS, nomeadamente centros sociais paroquiais e institutos de organizações religiosas, em que nunca houve limitação de mandatos – e em que a CNIS defende que continue a não haver.
Quanto às associações, a proposta da CNIS é a de manutenção do sistema atual, embora agora com o limite de três mandatos – e não de dois, como no presente, ou dois com a duração de 5 anos cada - e com a duração de até 4 anos, podendo sempre a Assembleia Geral abolir a inelegibilidade, em caso de impossibilidade de renovação.
Crê-se que tal posição da CNIS não venha a obter vencimento, tendo em conta a recente reforma do sistema eleitoral para os órgãos de soberania ou autárquicos.
Se o Governo entender legislar segundo essa orientação, a CNIS defende que tais limites só vigorem relativamente aos mandatos a iniciar após a publicação da nova lei.
CRIAÇÃO DE CENTRO DE ARBITRAGEM DA SOLIDARIEDADE SOCIAL
A CNIS defende o modelo de regulação da atividade do setor sob a égide de uma Entidade Reguladora, nomeadamente no que toca ao licenciamento das instalações, à fiscalização e à inspeção.
Não significa isto que o Estatuto das IPSS deva desde já definir este modelo – mas a CNIS defende que o diploma a publicar deveria desde já abrir a possibilidade de, por lei futura, tal poder vir a ocorrer.
LEI DE BASES DA ECONOMIA SOCIAL E DECRETO-LEI 119/83.(Auto-sustentação ou sustentabilidade?)
A Lei de Bases da Economia Social, aprovada pela Lei nº 30/2013, de 8 de Maio, determina a revisão da legislação de enquadramento das várias “famílias” da economia social; IPSS, Fundações, Cooperativas, Coletividades de cultura e recreio.
Existe o risco de que a revisão do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro, seja excessivamente tributário dessa Lei.
A CNIS defende o entendimento de que haverá aqui que distinguir. Com efeito, a Lei de Bases não pode ser apresentada como única ratio do processo legislativo – deixando-se omissos, ou na sombra, os princípios que, segundo a nossa tradição jurídica de décadas, costumam ser identificados com as IPSS: a solidariedade, como dever e imperativo ético, a caridade fraterna, nas instituições de origem religiosa, a atenção prioritária aos mais desfavorecidos, como estruturante do contrato social.
A Lei de Bases tem virtualidades, como veremos adiante, mas tem uma matriz mais radicada nas relações económicas e em conceitos ligados à produção material de bens do que propriamente nas relações sociais. Não é essa a cultura plurissecular das IPSS.
No entanto, a referida Lei de Bases da Economia Social fundamenta uma das principais alterações que a CNIS defende para o Estatuto das IPSS: a clarificação de que é legítima a prossecução de atividades comerciais ou industriais por parte das IPSS, seja qual for o domínio de tais atividades, através da criação de empresas ou da aquisição de partes sociais de sociedades comerciais – desde que tais atividades tenham natureza instrumental relativamente às suas atividades principais, no domínio da solidariedade social, e os resultados da exploração de tais atividades propriamente mercantis sejam afetos aos fins de solidariedade.
É importante esclarecer, com grande nitidez, a dúvida jurídica atualmente existente sobre tal possibilidade – embora esta abertura traga consigo o risco de servir de pretexto aos poderes públicos para, a pretexto de novos meios de sustentabilidade das Instituições, fazer regredir os apoios e o financiamento públicos para a atividade nuclear das mesmas Instituições.
IMPEDIMENTO DOS MEMBROS DOS ÓRGÃOS SOCIAIS PERTENCEREM AOS ORGÃOS SOCIAIS DAS EMPRESAS PARTICIPADAS
A posição da CNIS é a de que os titulares dos órgãos sociais não só podem, como devem, integrar os órgãos sociais das empresas e sociedades participadas – de acordo com a matriz das sociedades comerciais e SGPS que serviu de paradigma à solução da sustentabilidade, por esta via, das Instituições Solidárias.
FISCALIZAÇÃO E DENÚNCIAS ANÓNIMAS
O presidente da CNIS defendeu a orientação de que denúncias anónimas deveriam ser liminarmente arquivadas – na sequência da informação de que a grande maioria das ações inspetivas ou fiscalizadoras resulta de denúncias anónimas.
OBRAS E REGIME DOS CONTRATOS PÚBLICOS
A CNIS vem defendendo a posição da não-aplicabilidade do Código dos Contratos Públicos à contratação levada a efeito pelas IPSS.
Discute-se se o 119/83 deveria conter uma disposição, impondo a aplicabilidade desse regime aos contratos de empreitada para obras de construção ou grande reparação, celebrados por IPSS. Se tal vier a acontecer, duas conclusões se podem tirar:
- se a nova lei integrar tais empreitadas, e apenas esses contratos, no âmbito de aplicação do CCP, é lícito concluir que tal Código não tem aplicabilidade a todos os outros contratos: nomeadamente os contratos de prestação de serviços.
- no mesmo pressuposto, tem razão a CNIS ao defender a inaplicabilidade atual do CCT, mesmo nos contratos de empreitada: pois se a lei alterada os passa a incluir, é porque a lei por alterar – e que é a que está em vigor – não os inclui.
A posição da CNIS é, portanto, de inaplicabilidade absoluta do CCP, no regime jurídico atual; e de assim dever continuar a ser.
Fonte: Solidariedade