As entidades do setor social que trabalham com populações vulneráveis enfrentam cada vez mais obstáculos financeiros que, em algumas situações, podem inviabilizar o seu trabalho.
O Laboratório de Investimento Social (LIS) surge precisamente com o propósito de inverter esta situação: promover o desenvolvimento de um mercado de investimento social em Portugal que permita às organizações com maiores restrições orçamentais atingir a sustentabilidade financeira.
Para cumprir a sua missão, o LIS quer ser um centro de conhecimento de referência, difundir as melhores práticas internacionais e estudar a viabilidade de adaptação de instrumentos financeiros inovadores à realidade nacional.
O Laboratório é um projeto do IES – Instituto de Empreendedorismo Social e da Fundação Calouste Gulbenkian, em parceria com a Social Finance UK.
O IES, onde o LIS está localizado, é um reconhecido centro de conhecimento sobre empreendedorismo social. A Fundação Calouste Gulbenkian presta apoio financeiro e estratégico ao Laboratório, através do Programa Gulbenkian de Desenvolvimento Humano, enquanto a Social Finance UK é a organização britânica vocacionada para o investimento social que criou os Títulos de Impacto Social em 2010. O Laboratório está a funcionar desde outubro de 2013 e foi apresentado publicamente em fevereiro deste ano.
Criar “conhecimento e inteligência de mercado” é o grande objetivo do LIS, explica António Miguel, coordenador do Laboratório. Para o efeito, é produzida uma
newsletter mensal sobre investimento social e são publicadas
notas de investigação relacionadas com múltiplos temas do setor. O Laboratório pretende também criar condições para o desenvolvimento de uma
task-forcenacional em torno do novo mercado de investimento social. Este grupo será composto por representantes dos setores privado, público e social, incluindo entidades financeiras, reguladores, associações e uniões de organizações da economia social, entre outros.
O que é investimento social
As organizações do setor social enfrentam uma situação insustentável a longo prazo: com menos recursos financeiros dar resposta a mais pedidos de auxílio. “Serão necessários mecanismos financeiros inovadores que canalizem capital para o setor, de modo a que este possa operar de forma eficiente”, explica António Miguel, coordenador do LIS.
O investimento social traduz-se na “aplicação de capital em atividades, organizações ou fundos com o objetivo de obter simultaneamente retorno financeiro e de impacto para a sociedade. Ambos os retornos são monitorizados e influenciam a tomada de decisão do investidor”, expõe o coordenador do Laboratório.
A título de exemplo, o investimento social valia cerca de 247 milhões de euros em 2012 no Reino Unido e tem evoluído exponencialmente, devendo ascender a cerca de 1 236 milhões de euros (o equivalente a mil milhões de libras) em 2016, de acordo com os dados do
relatório “The First Billion”, do Boston Consulting Group (BCG).
Em Portugal, este mercado apresenta-se num estado mais embrionário. Os cálculos iniciais do LIS sugerem que “a mobilização para o setor social de 5% dos ativos sob gestão de investidores (Indivíduos ou famílias com elevado património, Fundações, Fundos de Capital de Risco, orçamentos de Responsabilidade Social das empresas ou Business Angels) poderia significar um potencial de mercado na ordem dos 1,2 mil milhões de euros, o que compara favoravelmente com as necessidades líquidas de financiamento do sector social de cerca de 750 milhões de euros, segundo dados do INE”, projeta António Miguel.
No entanto, “o investimento social não é uma resposta milagrosa ao problema”, salienta. É “mais uma proposta para fazer face aos obstáculos que se colocam atualmente ao financiamento do terceiro setor” e para “ajudar as organizações a inovar”. Representa uma mudança de paradigma: “quebra o dogma de que o retorno financeiro e o impacto social são mutuamente exclusivos”, conclui António Miguel.
O que são os Títulos de Impacto Social
“Os Títulos de Impacto Social são um mecanismo financeiro através do qual o Estado celebra um contrato com uma entidade gestora (cujos acionistas são os investidores sociais) com base no cumprimento de resultados sociais específicos”, sintetiza António Miguel.
Esse contrato prevê que os investidores financiem serviços de organizações sociais a médio prazo (geralmente três a sete anos). Por seu lado, estas organizações implementam os serviços que visam melhorar as respostas sociais a um determinado problema. Se os resultados forem alcançados, o Estado devolve o investimento à entidade gestora acrescido de um retorno financeiro ajustado ao risco do projeto e ao nível de resultados sociais potencialmente atingidos. Caso os resultados sociais previstos no contrato não sejam atingidos, o Estado não paga aos investidores, que assumem o risco da perda do investimento.
Os TIS foram criados pela Social Finance UK no estabelecimento prisional de Peterborough no Reino Unido, em setembro de 2010, com o objetivo de reduzir a taxa de reincidência de reclusos. António Miguel refere que foram angariados cerca de seis milhões de euros junto de 17 investidores sociais, por um prazo de sete anos.
O valor está a financiar o serviço de reabilitação de indivíduos que cumprem sentenças de curta duração. Após a sua saída, os ex-reclusos são apoiados durante 12 meses com o objetivo de reduzir 10% a taxa de reincidência média no sistema prisional. Se essa redução for alcançada, o Ministério da Justiça devolve o investimento inicial acrescido de um retorno financeiro (no máximo 13%), que representa uma proporção das poupanças conseguidas. (Este exemplo está detalhado na Nota de Investigação do Laboratório: “Títulos de Impacto Social”).
O que diferencia os TIS
António Miguel explica que “um dos fatores diferenciadores dos TIS é a análise do custo económico de um problema social: Qual o custo com a reincidência de indivíduos no sistema prisional? Quanto custa o desemprego jovem?”. E exemplifica: “Se um recluso custa, em média, cerca de 40 euros por dia, qual o montante poupado ao setor público se se reduzir o número de reclusos que volta a reincidir até 12 meses após a sua libertação?”.
Através da análise destes problemas, é possível avaliar a compensação económica por uma melhoria nos resultados sociais em diferentes áreas, desenvolver um modelo de negócio e atrair investimento para financiar serviços que ofereçam uma base de evidência no alcance desses resultados sociais, conclui o responsável.
No Reino Unido, o Governo compilou
uma base de custos unitários que atribui valores financeiros a indicadores sociais e que possibilitam fazer aquelas análises, explica António Miguel.
Fundos de Investimento Social e filantropia estratégica
O investimento social não é apenas TIS. Existem outras soluções como, por exemplo, os Fundos de Investimento Social ou a Filantropia Estratégica.
Os Fundos de Investimento Social canalizam capital através de instrumentos de investimento social. Procuram, em simultâneo, retorno financeiro e impacto social. Estes Fundos podem investir em TIS, disponibilizar créditos sem garantia, para facilitar o acesso de algumas organizações ao financiamento, ou investir no capital da organização.
A Filantropia Estratégica investe em empreendedores sociais e nas suas inovações. Este apoio pode abranger recursos financeiros, aconselhamento, acesso a redes e outras formas de capacitação.
O financiamento pode incidir em investimento de impacto, donativos tradicionais ou na combinação das duas componentes. É particularmente útil na fase em que a organização social está a validar o seu impacto e a codificar a sua solução, preparando-se para iniciar um processo de crescimento.
Para saber mais:
Fonte: EI - Educação, Informação (Montepio)