Segundo números da APAV, 649 idosos foram vítimas de crime em 2010, mais dez do que em 2009.
Filho entrou em casa do pai de 72 anos e matou-o com uma foice que estava no quintal. Vila Verde de Raia, Chaves, 12 de Fevereiro de 2011.
Filho de 43 anos espancou e violou a mãe, de 78. As agressões prolongavam-se há anos: o filho atirava R. contra as paredes, empurrava-a pelas escadas abaixo, atirava a sua cama para o meio da rua, como se fosse um móvel velho, acabado e inútil. R. fugia de casa mas calava-se. Tinha sofrido um AVC mas recusava-se a ir para um lar para não deixar o filho sozinho. Proença-a-Nova, Dezembro de 2010.
Filho e nora sequestraram Jacinta, de 66 anos, e um filho deficiente profundo, durante 14 meses. Jacinta, baixa e raquítica, em cima dos seus 30 quilos, esteve trancada a cadeado na sua própria casa, num quarto sem janelas, a tresandar a urina. Durante três meses comeu apenas tomates, jogados pela porta com indiferença. Vinha rente aos muros, como um réptil, pedir um pedaço de pão às vizinhas, mas nunca ninguém fez nada. Enquanto isso, filho e nora extorquiam-lhe o dinheiro da pensão. Fajarda, Coruche, Setembro de 2009.
Histórias como estas chegam todos os dias à Associação de Apoio à Vítima (APAV). De acordo com os números da associação, 649 idosos foram vítimas de crimes em 2010, mais dez do que em 2009 (639). Das 7711 vítimas de crime assinaladas pela APAV no ano passado, 8,4% têm mais de 65 anos.
A APAV ainda não reuniu os dados detalhados sobre idosos vítimas de crime em 2010. Mas Maria de Oliveira, responsável pela campanha de sensibilização sobre a violência contra os idosos promovida pela APAV, adianta que o cenário é idêntico ao dos anos anteriores: "A maioria é agredida pelos familiares mais próximos."
Em 2009, 72% dos crimes contra idosos foram cometidos pelos filhos, netos, cônjuges ou companheiros das vítimas. São os filhos quem representa a maior fatia do bolo: dos 639 crimes contra idosos 238 foram cometidos por um filho ou filha (37%), seguidos de 207 casos em que foi o cônjuge ou o companheiro o autor do crime.
A maior parte dos crimes são praticados no âmbito da violência doméstica, embora haja excepções. "São sobretudo situações de violência psicológica e financeira. Casos de abandono, negligência, ameaça e coacção, gestão indevida do património, extorsão ou sequestro", adianta Maria de Oliveira. A responsável explica ainda que nas estatísticas do crime de sequestro não entram só as histórias de cativeiro, mas também, por exemplo, "o internamento num lar contra a vontade do idoso".
Entre 2000 e 2009, o número de casos de idosos vítimas de crime aumentou 120%. Mas quem lida diariamente com estas histórias não duvida que, apesar de as denúncias serem mais frequentes, os números ainda pecam por defeito. A vergonha, o isolamento e a dependência transformam os idosos nas mais silenciosas de todas as vítimas. "O mais frequente é a pessoa não contar porque sente vergonha. Mas também há casos de dependência emocional: tem medo de denunciar e ficar sozinha. Ou até casos em que não entendem os insultos e ameaças como violência e desculpabilizam", esclarece Maria de Oliveira.
Para a responsável da APAV, a crise pode levar a uma maior incidência de certo tipo de violência como "a chantagem emocional ou a extorsão", ao mesmo tempo que o maior número de horas de trabalho promove situações de abandono ou negligência. "Antes as pessoas tinham muito mais tempo para tratar das pessoas idosas."
O procurador-geral da República, Pinto Monteiro, assumiu em Janeiro que "a violência contra os idosos é a mais silenciosa que há em Portugal". "É grave, escondida, porque os idosos não se queixam", declarou o PGR à Lusa, à margem de um encontro sobre o tema. O Ministério Público abriu num ano e meio 125 inquéritos sobre violência contra idosos só em Lisboa: 45 foram abertos no primeiro semestre de 2010.
Mortes solitárias A história de Augusta Martinho, morta há mais de oito anos no chão da cozinha da sua casa, na companhia de um cão e de dois periquitos, despertou as atenções para o problema da solidão e do abandono dos mais velhos. Juntaram-se à história mais dois casos numa só semana. Augusta Martinho não foi a única a morrer sozinha. No sábado foi encontrado o corpo de um homem de 71 anos morto há três meses na sua casa de Cantanhede; no mesmo dia, os Bombeiros de Matosinhos encontraram morto um homem de 80 anos, em São Mamede Infesta, depois de os vizinhos estranharem ver a luz da sala sempre acesa mas nem sinal do octogenário.
por Sílvia Caneco, Publicado em 14 de Fevereiro de 2011
Que sociedade é esta?
ResponderEliminarQue valores temos e que transmitimos às gerações futuras?
As respostas a estas questões (e outras que se podem formular) estão dentro de cada um de nós (enquanto cidadãos, enquanto recursos humanos de ONG, de organismos públicos, de entidades com fins lucrativos e outras...), está na nossa capacidade de respeitar e de estar atento ao outro (familiar, amigo/a, vizinho/a, colega de trabalho, conhecido/a, desconhecido/a – potencial vítima e potencial agressor/a) e facilitar, solidariamente, apoio (recursos), quando a necessidade surgir.
É importante que sejamos actores/actrizes, activos, neste palco que é a vida…evitando a indiferença, a negligência, a passividade…